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  • Entrevista - Jade vê protagonismo em fim de 'prisão' na seleção e lida com fama de chorona


    Jade Barbosa ganhou os holofotes com apenas 16 anos ao conquistar três medalhas nos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro-2007. E, desde então, ela virou notícia. Em três anos e meio, ganhou destaque na mídia por conquistas, fracassos, trocas de acusações com a CBG (Confederação Brasileira de Ginástica), afastamento da equipe nacional, lesões e até por vender camisetas para pagar tratamento. Tudo regado as já habituais lágrimas. Mais madura, a ginasta relembra os episódios e se vê como protagonista do fim da seleção permanente – considerada por ela como uma prisão – e lida com tranquilidade com a fama de chorona.

    Aos 19 anos, Jade Barbosa ainda não se define como mulher. Ela está em fase de transição. Dá visíveis sinais de amadurecimento, mas mantém hábitos de menina. No caminho para a praia de Copacabana – local escolhido para a realização da entrevista ao –, a ginasta andou de mãos dadas com o pai César Barbosa e pronunciou poucas palavras.

    Durante a entrevista, mudou a postura e se impôs. Jade falou sobre o polêmico fim da seleção permanente e assumiu o protagonismo para o encerramento das atividades da equipe nacional em Curitiba. Após a Olimpíada de Pequim-2008, a ginasta fez acusações públicas à CBG de negligência nos treinamentos e chegou a dizer que era impedida de beber água. Ela também responsabilizou a entidade pelo agravamento da lesão no punho direito – necrose no osso capitato. Sem respaldo para realizar o tratamento, a atleta chegou a vender camisetas em seu site oficial para custear os remédios.

    Com a troca de comando na CBG, agora presidida por Maria Luciene Cacho Resende, Jade Barbosa se reaproximou da entidade e sacramentou o retorno à seleção às vésperas do Mundial de Roterdã, em 2010. Voltou com o bronze no salto e retomou o status de principal estrela da ginástica. Com a lesão estabilizada, ela já pensa em Londres-2012 e sonha com Rio-2016.


    O ano de 2010 marcou sua volta à seleção brasileira após impasse com a CBG (Confederação Brasileira de Ginástica). Como você avalia a temporada?


    Jade Barbosa – O início de 2010 foi complicado para mim. Eu estava treinando muito mais e eu não podia ir para as competições por problemas jurídicos com a CBG. Eu queria voltar a competir internacionalmente. Aí chegou perto do Mundial e eu nem sabia se eu ia ou não. Acabamos acertando o contrato [com a CBG para a volta à seleção]. Já estava feliz quando eu pisei na Holanda, já nem acreditava que isso ia acontecer. Competi o primeiro dia e fiquei bem nervosa. No segundo, fui melhor. E no terceiro, veio a medalha. Acho que não poderia ser melhor. O ano começou ruim, trabalhei bastante e finalmente veio uma recompensa. Em um ano que eu não estava nem competindo e acabei ganhando o prêmio de melhor atleta da ginástica no ano [dado pelo COB].

    Você foi reintegrada à seleção em outubro para o Mundial. Antes em duas tentativas, não houve acordo. O que mudou? Quais foram os motivos para a reaproximação dar certo?

    Jade Barbosa – Na verdade, antes eles estavam me pedindo coisas que eu não poderia cumprir por causa do meu patrocínio. No final, conversando, eles fizeram um contrato que valia a pena para as duas partes. Porque não adianta só o atleta ceder. Foi mais ou menos assim. Sem conversa era ruim, porque ficava nesse impasse e foi isso o que mais prejudicou.

    Como foi ouvir de médicos que você teria que deixar a ginástica por causa de sua lesão no punho? Foi o pior momento da sua carreira?

    Jade Barbosa – Foi o pior de todos. Ouvi isso de vários médicos. Eu fui a vários médicos e todos diziam: ‘olha Jade, o seu punho não corresponde à sua idade. É de uma pessoa de 50 anos. Essa lesão é complicada, não tem estudo’. Eu ouvi aquilo com 17 anos, imagina? Ouvi que ia ter que parar a ginástica. Isso que foi o complicado. Depois que voltei a treinar. Mesmo com a dor, pensava: ‘vamos ver o que é que dá’. E eu fui melhorando.

    E como está o punho agora?

    Jade Barbosa – Está ótimo. Nas férias não sinto dor nenhuma. Tem o incomodo no treino. Mas a dor como eu sentia antes, insuportável mesmo com o anti-inflamatório, eu não sinto mais.

    Mesmo em competições dá para suportar?

    Jade Barbosa – Dá para aguentar, porque não é dor, é dolorido. É um incômodo. Não é a dor que eu sentia para fazer o elemento. É uma dor de cansaço. Tem uma lesão aqui e uma hora o punho vai reclamar, mas é mais depois.

    Este incômodo que ainda sente te dá insegurança na hora de competir?

    Jade Barbosa – Não. Tem dia que eu sinto dor e falo que não dá para fazer nada. Aí, faço só trabalho com a perna e vou levando.

    Após a recuperação, os especialistas te deram um prazo para deixar a ginástica definitivamente?

    Jade Barbosa – Os médicos disseram vamos ver quanto tempo você agüenta. E eu aceitei. Tem que aceitar, né? É um desafio e vamos indo até quando não for ruim para minha vida. Fisioterapia, médico e exame viraram parte da minha rotina. E estou assim ainda.

    Com a lesão grave que você teve, se arrepende de ter ficado com a seleção permanente até o fim?

    Jade Barbosa – Aquele esquema de seleção permanente não foi saudável para ninguém. Você pode ver que todas as meninas ficaram com algum problema, foram poucas as que permaneceram na ginástica. Todas tiveram algum problema de saúde. Aquele esquema de seleção permanente, eu não gostaria de ter mais. Eu não me arrependo porque eu queria muito ir para uma Olimpíada. Fiquei ali também porque eu queria muito competir. A minha sede, a minha vontade de ir para uma Olimpíada me fez passar por todos esses obstáculos. No final, não foi tão bom. Eu tive uma lesão grave. Para mim, algumas coisas valeram a pena. Eu fui muito bem no Pan-Americano, ganhei várias medalhas, fiquei conhecida. Mas imagina as meninas que não ganharam nada, que tiveram seus sonhos destruídos. Eu acho que essas se arrependeram. Eu tenho um pouco de arrependimento, mas é menor do que as coisas que eu conquistei.

    Você e seu pai se expuseram bastante ao bater de frente com a CBG. Acha que fizeram a coisa certa?

    Jade Barbosa – Acho que sim. Eu e meu pai conseguimos mostrar um pouco da ginástica que tinha lá, provando que seleção permanente nem sempre é o melhor a fazer. Pode voltar a ter? Pode, mas tem que ser melhor pensada. E se não for no meu Estado eu não vou, porque não vai ser saudável para mim. Para eu estar bem, preciso priorizar o que eu sinto e onde eu vou estar melhor. Eu e meu pai ajudamos sim a mudar a história.

    Como é a sua relação com a CBG hoje?

    Jade Barbosa – Depois que fechou o contrato direitinho, está tudo bem. É uma gestão nova, ninguém que estava lá antes está agora. Eu acho que mudou para melhor. A CBG está mais compreensiva, escutando mais os atletas. Claro que tem sempre que melhorar, mas acho que está progredindo.

    Este ano tem o Mundial, que é classificatório para Londres-2012. Qual o seu planejamento para o ano? O que vai priorizar?

    Jade Barbosa – É um ano de competições importantes. Vou começar a ir nas etapas de Copa do Mundo, para me preparar para o Mundial. Para este Mundial eu não posso ficar sem saber como em 2010, que eu não tive tempo para treinar. O Mundial é o mais importante. Quem vai para a Olimpíada vai ser decidido ali, se o Brasil vai levar uma equipe ou só uma menina. Mas tem o Pan-Americano, que é super importante. Agora eu abri meu instituto também e eu estou procurando as empresas para ajudar via Lei de Incentivo para começar com ele para valer em 2011.

    Fale mais sobre o Instituto. Como surgiu a ideia?

    Jade Barbosa – Eu sempre quis fazer trabalho com pessoas carentes. Levar a ginástica como benefício para as crianças, mas eu não sabia como. Até porque é complicado. Montei o instituto por causa de Niterói. Era um ano em que ninguém tinha salário e o prefeito falou que ia ajudar Daniele, Diego [Hypolito] e eu. A gente abriu o projeto e ele não ajudou em nada. Mas acabou sendo bom, porque para entrar na Lei de Incentivo, o projeto precisa ter um ano de existência e ele completou um ano no fim de 2010 e foi aprovado. Vai ser um espaço para crianças de cinco a dez anos no início, com mais ou menos 300 crianças e vai ser na Beija-Flor, que cedeu o espaço para a gente.

    Em ano pré-olímpico e de Mundial vai dar para conciliar treinos, competições, faculdade e instituto?

    Jade Barbosa – Eu adoro tudo o que estou fazendo. É um mundo diferente da ginástica. Porque todo mundo que faz ginástica faz Educação Física. Quando cheguei para fazer Design as pessoas me olhavam pensando: ‘o que ela está fazendo aqui?’. Mas eu estou adorando, minhas amigas estão me ajudando bastante e estão torcendo. Na faculdade, consegui mais amigos. E mesmo com as competições vou me entendendo com os professores. Eu já consegui conciliar no ano passado a faculdade com o treino e agora é só colocar mais um negocinho.

    Mas ter atividades tão fora do esporte não podem tirar seu foco?

    Jade Barbosa – Eu acho que é importante ter outras coisas além da ginástica. Às vezes, você fica tão só na ginástica que acaba saturando. Precisa ter coisas assim, para ter ambiente diferente e conversar de coisas diferentes, eu acho importante. Minha me ajuda com o instituto, porque é um projeto nosso. Mas toda semana quero estar lá. Vou ter que conciliar isto, treino e faculdade, que são as três coisas mais importantes. Tem que ter um tempinho para cada coisa. Estou no segundo ano da faculdade de Design, que é um pouquinho diferente. Dá um pouco mais de trabalho do que Educação Física, porque em Design eu estou em outro mundo.

    Você só conseguiu fazer tudo isso depois de sair da seleção permanente. Você acha que era a hora de voltar para o Rio?

    Jade Barbosa – Eu acho que era o que realmente eu precisava. Ainda mais com a lesão no punho, eu tinha que ter uma base para me segurar. Eu acho que se eu ficasse mais um tempo em Curitiba eu teria estourado, não teria continuado a ginástica, porque talvez não tivesse um acompanhamento na minha lesão. Eu acho que foi na hora certa. Eu encontrei técnicos que entenderam a minha lesão, eu entrei na terapia, tenho a minha família, minha casa, ia para a minha escola normal e não estudava dentro do ginásio, fazia fisioterapia. Eu tenho uma vida normal, além da ginástica, que veio na hora certa.

    E a terapia, o que acha que ela te acrescentou?

    Jade Barbosa – Eu acho que é bem importante. Eu uso para falar o que eu quiser e ver as coisas de uma forma diferente. Até porque eu já tinha o problema da perda de minha mãe, quando eu tinha só nove anos. Então, tenho que cuidar dessas coisas, ainda mais eu que sou bem sentimental. Me ajudou bastante, principalmente a ter mais confiança.


    O que a Jade com 16 anos fazia que não faz mais?


    Jade Barbosa – Eu não sei, na verdade. Eu, com 16 anos, não tinha noção de quanto eu tinha potencial na ginástica. Eu fazia ginástica e não sabia o quanto podia fazer bem. Eu cheguei no Pan e vi, nossa, fui bem. Cheguei no Mundial e fiquei em terceiro e pensei: ‘caraca’. Não tinha noção de quanto as pessoas gostavam de mim e me admiravam.

    Como é o assédio das pessoas? Quando se sentiu uma atleta nacionalmente conhecida?

    Jade Barbosa – Depois do Pan que mudou bastante coisa. Fui ao shopping no Rio, de cabelo solto, óculos de grau. Bem diferente. As pessoas me reconheceram e eu não consegui andar. E pensei: ‘que mundo é esse? Totalmente diferente do que eu vivia’. Uma vez eu estava em Curitiba em um shopping e uma mulher perguntou: ‘você é a Jade do Pan?’. As crianças em volta correram atrás de mim. Hoje as pessoas são mais conservadas. Elas mais olham do que pedem alguma coisa. Mas depende do lugar que vai. Em escola com criança, todas pedem autógrafos e fotos.

    Você acha que tem fama de chorona? Como você lida com isso?

    Jade Barbosa – Tenho sim. A maioria das fotos da Internet, eu estou chorando. Mas é a minha maneira de expressar as coisas. Se eu tenho vontade de chorar, eu choro, porque depois melhoro. No treino, se eu estiver com dor, eu choro mesmo. Tenho que chorar, porque depois eu fico melhor porque descarreguei isso no choro.

    Você se incomoda com a fama de chorona?

    Jade Barbosa – Não. Mas não gosto muito de chorar em entrevista, competição, porque tem muita gente olhando. Mas se precisar chorar no cantinho, eu choro, porque depois que eu choro, eu fico mais tranquila e sinto que a sensação ruim saiu.

    Você consegue perceber um certo amadurecimento? Como foi para você?

    Jade Barbosa – É engraçado, porque vai acontecendo. Você não chega e fala: ‘agora eu vou ser outra pessoa’. É questão da experiência, de fazer várias vezes, a terapia também ajudou. Tudo ajudou. Me sinto melhor, consigo fazer as coisas de forma mais natural hoje.


    Você já se vê como uma mulher?


    Jade Barbosa – Eu acho que estou em fase de transição e depende da situação sou mais mulher ou mais menina. Quando eu entro para competir, dou máximo de mim, fico mais forte. Quando estou com a minha família, brincando, sou mais molequezinha.

    Fonte: UOL
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