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  • No Laboratório Olímpico, Hypolito injeta tecnologia na rotina de treinos

    Acostumado a trabalhar sem ajuda científica, ginasta examina detalhes do salto em software de biomecânica que reproduz imagens quadro a quadro

    Durante muito tempo, os olhos do técnico Renato Araújo funcionaram como a "tecnologia" mais avançada que Diego Hypolito podia ter. Com o auxílio deles, executou com perfeição o elemento que ganhou seu nome no código de pontuação, conquistou respeito internacional e dois títulos mundiais. Virou o dono do solo e se sentia como tal, até o tombo no finalzinho de sua série nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008. Quase três anos depois, o ginasta admite que precisava da queda para mudar a sua forma de pensar. As lesões sucessivas também contribuíram para descobrir que era falível e pecava por excesso. Diego precisava de ajuda. E não criou resistência para incorporar à sua rotina recursos tão comuns ao dia a dia dos adversários.

    Numa manhã de sexta-feira, a presença de uma equipe do Laboratório Olímpico do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) era o indício de que aquele dia seria diferente. Duas câmeras colocadas no ginásio do Flamengo e laptop aberto sobre um cavalo, cena que Diego já tinha visto em suas viagens pelo mundo, mas nunca experimentado. Segundos depois de ter executado um salto, correu em direção ao videoanalista e conseguiu enxergar ângulos e minúcias possíveis apenas no software de biomecânica, reproduzindo imagens quadro a quadro.



    - Nossa, estou entrando baixo. Quando faço um salto mais simples faço uma entrada melhor. Repete - pedia, com os olhos vidrados na tela.

    Acostumado com pouco, Diego vê no suporte científico uma experiência nova.

    - Nunca tive nada. Nem suplemento alimentar eu tomava. A gente tem que se adaptar a isso, de usar ciência e tecnologia nos treinos. Tudo me ajuda um pouco, mas nada pode ser radical porque nunca tive isso na vida. É uma adaptação. Acho que atletas e técnicos não podem ser intransigentes. No solo, por exemplo, quero inserir uma passada nova, semelhante à do primeiro título mundial só que com mais rotações. Estou tentando entender a linha do exercício e o Dartfish (software) vai me ajudar - afirmou Diego.

    Não só a ele, mas ao seu treinador também. Renato Araújo está providenciando imagens dos saltos sobre o cavalo realizados pelo chinês Li Xiaopeng e pelo romeno Marian Dragulescu. Quer fazer uso da sobreposição de imagens para saber no que Diego pode melhorar.

    - Ainda é o início de trabalho e acho que a parte de sobreposição, a comparação vai contribuir muito. No solo, ele é a referência e vamos visar mais os movimentos e não a comparação. Aos poucos, vamos saber como e onde usar. Já tinha visto o pessoal do Japão fazer uso de recursos assim e de filmar até mesmo os outros atletas. Se chegarmos à conclusão de que ele está fazendo os movimentos e ângulos igual ao Li Xiaopeng e ao Dragulescu, é sinal de que teremos que treinar mais potência, mais a parte física.

    O trabalho também está sendo feito em outras áreas. Diego fez uma reeducação alimentar e sofreu para seguir as orientações do nutricionista. Descobriu, não sem espanto, que não podia colocar no prato feijão, grão de bico e salmão quase que diariamente. Foi submetido a exames bioquímicos durante uma simulação de competição que vão contribuir, entre outras coisas, para a prevenção de lesões. Decidiu também fazer análise.

    - Tive mais problema de adaptação com a nutrição. Ao olhar do leigo, eu tinha uma alimentação saudável, mas o excesso prejudicava meu organismo. Hoje sinto a diferença. Comecei a temporada mais bem disposto. Precisava também fazer análise. Depois da cirurgia no tornozelo vi coisas que não enxergava na rotina. Em três anos fiquei sem treinar 17 meses (dois meses de férias no total, seis com lesões no tornozelo, seis no ombro e três no joelho). E mesmo no meio dessa turbulência consegui bons resultados. Todas elas aconteceram por excesso de treino. Comecei a me perder de onde era o meu limite e achava que não era invencível. Depois da queda em Pequim e após a última cirurgia, via aquele muro e não sabia se iria conseguir ultrapassá-lo. Comecei a fazer análise e a me controlar emocionalmente. Hoje chego à conclusão de que não merecia aquela medalha porque não fechei tudo o que precisava.



    Laboratório Olímpico já atende 22 atletas

    No mesmo ano em que Diego sofreu seu mais duro revés, o COB também concluiu que não poderia mais abrir mão da base científica na preparação dos atletas. Segundo o superintendente executivo de esportes, Marcus Vinícius Freire, o desejo despertou nos Jogos de Atenas-2004, quando viram a Alemanha montar nas garagens da Vila Olímpica uma laboratório. Em 2008, a vontade virou necessidade. Para ele, era o que o Brasil precisava para encostar nos outros países. A questão financeira deixou de ser problema depois que o Rio ganhou o direito de sediar as Olimpíadas de 2016. Agora o que falta é tempo e profissionais especializados. Com recursos da Finep - empresa do governo, financiadora de estudos e projetos - e também do COB, o Laboratório Olímpico está sendo montado no Parque Aquático Maria Lenk e no Velódromo.

    O investimento será de US$ 6 milhões em três anos e as duas exigências feitas pela Finep são de que se torne referência na América Latina, e que o conhecimento seja passado para oito universidades públicas. A fase no momento é de importação de equipamentos. Cerca de 500 serão usados nas 11 áreas do projeto: fisiologia do exercício, biomecânica, bioquímica, nutrição, psicologia, gestão do conhecimento, treinamento esportivo, ciências computacionais, medicina esportiva, fisioterapia e genética. A expectativa é que a estrutura física comece a funcionar em agosto com três módulos (bioquímica, treinamento e fisiologia).

    - Vamos aumentando até chegar na genética. Mas acho que essa parte só será possível depois de 2016. Com essa análise poderemos detectar um DNA campeão, como de Diego, Cesar Cielo, Robert Scheidt e Torben Grael e ver quem tem essas características de cromossomos. A Rússia já fazia isso na antiga União Soviética, assim como a Alemanha. Aqui no Brasil se trabalha mais com feeling. Temos técnicos muito bons, mas eles podem ganhar um embasamento maior. E há uma resistência de usar esses recursos, já que alguns atletas e treinadores acham que já sabem o caminho. É meio que um namoro que, aos poucos, vai se acertando. O que queremos é ajudar e não interferir no trabalho - disse Julio Noronha, responsável pelo Departamento de Ciência do Esporte do COB.

    Baseado no histórico dos países que adotaram o programa, ele acredita que os resultados já poderão aparecer no Pan de Guadalajara, em outubro. O projeto é personalizado e atende a dois grupos de atletas: um visando Londres-2012 e outro Rio-2016. Cientistas estrangeiros virão ao Brasil, assim como parte da equipe fará intercâmbio em centros de treinamento no exterior.

    - Já trabalhamos com 22 atletas e queremos contemplar o maior número possível do Time Brasil, traçar o perfil psicológico para que o treinador saiba a tecla que pode apertar para fazê-lo render melhor. Em outra fase, teremos um túnel de vento e equipamentos para esportes de inverno. Vamos preparar isotônicos próprios, de acordo com a necessidade de cada um. Já foi feito um para a Yane Marques que estamos trabalhando para ter um ganho na prova de natação no pentatlo moderno. Também já fizemos testes com o Robert Scheidt, que é o atleta brasileiro que mais pesquisa e busca a tecnologia e a ciência lá fora. Estamos agora tentando uma aproximação com a Fabiana Murer e iremos fazer contato com o Cielo, que fazia alguns testes quando morava em Auburn.

    A estimativa é que o Laboratório ganhe um prédio, que será erguido no Parque Olímpico, próprio até o final de 2012.

    Fonte: globo.com/globoesporte
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