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  • Vou lhes contar...



    Vou lhes contar uma história, uma história verídica que aconteceu diante de meus olhos privilegiados. Sim, eu estava lá quando a história foi feita. E que bela história! Gostaria de ser um cineasta famoso para fazer um filme sobre o que aconteceu naquela quarta-feira, dia 11 de janeiro de 2012. Um daqueles filmes sobre histórias de superação, daqueles que todos saem do cinema com os olhos vermelhos de tanto chorar. Enfim, o que posso fazer é contar o que vi. E mais uma vez tentar passar para vocês um pouco do que foi a emoção de quem estava ali, principalmente dos brasileiros. Obviamente a emoção maior quem sentiu foram as ginastas, seus treinadores, comissão técnica, coordenadores e familiares, pois só eles sabem mesmo de tudo. De tudo que passaram para chegar ali.
    A história conta com 6 personagens principais.

    Começamos com Ethiene Franco, que foi nossa ginasta mais consistente em Pequim e que teve um excelente ano em 2009, mas que depois passou por sérios problemas de lesão e peso. Ninguém imaginaria a importância dela até assistir ao treino de pódio e ver uma ginasta extremamente limpa, flexível e artística.

    Bruna Leal, outra ginasta que, desde seu auge em 2009, teve uma fase descendente, mas que agora parece estar voltando á grande ginástica que apresentava.

    Adrian Gomes, ginasta que já havia se aposentado, que estava trabalhando de garçonete num café, que ninguém mais se lembrava! Adrian teve um bom ano em 2010 e um ótimo começo de ano em 2011, mas foi decaindo ao longo do ano e estava mal nos momentos mais importantes: Mundial e Pan. Mas, felizmente, Adrian apareceu aqui determinada a mostrar que veio para ficar.

    Daiane do Santos, ginasta que dispensa apresentações. Deu muitas alegrias ao Brasil, mas parecia que teria um final de carreira muito distante do desejado. Agora existem outras perspectivas para ela.

    Jade Barbosa, quase dois anos longe da seleção, volta em 2010 para ser medalhista mundial. Não tem um bom 2011 e é extremamente criticada pelo público, mas mostra nesta competição todo seu valor.

    E, por fim, Daniele Hypólito. A grande estrela desta história. A grande guerreira da ginástica do Brasil. Mesmo sem o reconhecimento devido por parte da mídia, continua sempre lutando e agora ela mostra o valor de ser uma veterana.

    Como vocês sabem, cheguei em Londres na segunda-feira e corri para assistir aos treinos de pódio. Encontrei com a Georgette Vidor e ela me adiantou um pouco sobre as meninas e as expectativas. Nossa seleção estava mais magra, mais condicionada e preparada. Entretanto, as séries estavam basicamente iguais às apresentadas em Tóquio. E, após assistir o treino de pódio das meninas, eu as vi melhores do que eu esperava. Realmente estavam mais magras, mais preparadas. Mas estavam também mais artísticas, mais unidas, com mais vontade, com mais brilho no olhar. Cada uma delas estavam com pelo menos um upgrade em suas séries, nem que fosse o resgate de algum elemento que não faziam há tempos, ou então alguma simplificação visando uma melhor execução, algum elemento que saiu no treino de pódio e que não saiu na hora da competição. Ou algum elemento novo mesmo, que nunca havíamos visto elas apresentarem.
    No treino de pódio, vi uma seleção merecedora daquela chance olímpica. Mas como a Georgette disse, elas precisariam acertar tudo, terem a competição da vida delas. E uu ainda acrescentei: elas, além de terem a competição da vida delas, teriam que contar com erros das adversárias espanholas e coreanas, já que eu não contava com Holanda e Bélgica, e acreditava que Itália, Canadá e França não seriam derrotadas por nós a não ser que errassem demais.

    No dia da classificatória, as subdivisões foram acontecendo e um cenário favorável ao Brasil começou a se formar. Esse cenário favorável aumentava também a minha expectativa. Canadá começou espetacular, mostrando muita ginástica. Execução, dificuldade e apresentação artísticas muito boas. Tudo bem, eu esperava isso mesmo delas. Holanda, por sua vez, se mostrou uma seleção fraca que viveu alguns momentos bons, mas no geral muito fracas para concorrer a uma vaga olímpica. Menos uma das nossas principais ameaças á vaga. Na minha cabeça faltava ainda Espanha, que viria na rotação seguinte, e por último as coreanas. Bélgica era uma peça descartada na minha mente.

    Então veio a Espanha, que mostrava linhas maravilhosas, boas dificuldades e muitas falhas. Essa tem se tornado a característica delas: muitas falhas! Portanto, sinto muito se você é linda, faz elementos difíceis e tem uma execução exemplar mas não acerta na hora. Trabalhe mais. Sinto muito Espanha. Enquanto Espanha se desfazia nas paralelas e trave, a desacreditada Bélgica encantava e chamava cada vez mais atenção, colocando 3 pontos de vantagem sobre a Espanha no fim da terceira rotação. E assim terminaram a segunda subdivisão, á frente das espanholas. A França, que também estava neste grupo, passou meio quietinha, fazendo um incrível trabalho e conquistando (como esperado) uma posição segura para a classificação.

    Depois dessa rotação as esperanças aumentaram, pois a Espanha competiu mal, e uma vaga que estava meio que garantida ficou em aberto. E era a nossa! A quarta vaga estava em aberto, já que todos acreditavam na chance real de vencermos a Bélgica, que apesar de ter feito um trabalho incrível, não foi perfeita. E sabíamos que se fôssemos perfeitos conseguiríamos a vaga.

    Na terceira subdivisão veio a Itália, que deu um show e abocanhou o primeiro lugar, deixando, já neste momento, a tão elogiada e aclamada Espanha fora dos jogos. Neste momento tínhamos Itália em primeiro, seguida de Canadá, França e Bélgica. Tínhamos agora uma missão dupla: vencer a Coréia e conseguir, pelo menos, 216.864 para bater o 216.863 da Bélgica.
    Como fazer isso se nossa seleção havia feito apenas 212.497 em Tóquio? Como melhorar 4.366 pontos em poucos meses? Como? Mas após ver o treino de pódio das meninas as esperanças não estavam tão pequenas mais.

    Chegou o momento. Lá estavam as meninas atrás da plaquinha escrito BRA, prontas para entrar. Da tribuna de imprensa eu via apenas o brilho do collant azul que elas estavam usando. E, imediatamente, meu coração acelerou. E às 19:35 da noite, em Londres, elas entraram. Marchando firmes, decididas, pisavam forte no chão, com o olhar cheio de vontade. Com o semblante sério de quem tem uma grande missão pela frente. Senti algo dentro de mim. Senti o quanto elas queriam aquilo. Daniele puxava a fila com um olhar matador. Sim, elas iam lutar. A equipe finalmente decidida seria Dani, Daiane, Jade, Bruna, Adrian e Ethiene. Essa última se mostrando de grande importância, e a escolha mais acertada a se fazer nesse momento entre as reservas. Logo atrás delas estavam as coreanas, que pareciam confiantes também.

    O Brasil começaria no solo e, historicamente, essa não é uma rotação muito favorável para nós. Em Pequim (2008), em Santo Domingo (2003) e até no sul-americano de 2002, o Brasil não se saiu bem na trave como último aparelho. A própria Georgette havia dito que é muito difícil terminar na trave, pois pelo cansaço a concentração diminui, e na trave qualquer desvio é fatal. Com mais essa desvantagem, elas começaram seu aquecimento no solo.

    O aquecimento foi tenso. Jade não estava acertando o duplo twist grupado, Bruna caiu de joelhos no duplo grupado, Daiane saiu descontrolada no duplo estendido. Respirei mais aliviado logo após, quando os elementos começaram a entrar. Todas descem do solo e apenas Adrian ficou. Ela havia acertado um memmel lindissimo no treino. Porém, a última lembrança que eu tinha da série de solo dela era da finalização mal sucedida da dupla pirueta pra frente no fim da série do treino de pódio.

    Treino de pódio da Adrian




    E ela começa a série, acerta o duplo grupado, na segunda passada ela quase se descontrola no rebound do salto afastado (mas se segura), não acerta o memmel (mas não é uma falha tão perceptível), rasga os saltos de dança. Na terceira passada ela quase erra! Depois da pirueta ela bate estranho para o mortal grupado e todos acham que ela vai cair, mas tira força da vontade de vencer que estava e crava o mortal logo em seguida. Faz o tour jet e prepara para a ultima passada, que ela havia errado no treino de pódio. Corre forte e acerta com folga. Finaliza e dá um belo pontapé inicial para o Brasil!




    Boa série, mas qual seria a nota? Uns 12 e alguma coisa? Não. Nota 13.133. Parecia mesmo um bom começo. Próxima ginasta: Bruna Leal. Entrou, mandou o tsukahara, deu tudo na coreografia, mostrou muita força, muita vontade e apresentou uma série que eu achei que tiraria mais nota que a Adrian, mas acabou sendo exatamente a mesma, o que voltou a me deixar tenso.




    Próxima a se apresentar seria a Daiane, parecia uma boa estratégia para puxar a nota da Jade e da Dani para cima.
    A grande tensão agora é: será que ela vai controlar as chegadas? A cada aterrissagem o coração parava de bater. O tour jeté não foi bom, mas o resto sim. E deu uma emoção incrível, ela foi super aplaudida e emocionou a todos na arena.




    Qual seria a nota? Não foi uma apresentação perfeita. Mas de forma alguma foi ruim... 14.066 e uma sensação de esperança veio de novo. A próxima era Jade. Será que ia acertar o duplo twist grupado? E ela foi. Observem que no tsukahara carpado ela deu aquele salto escorregado para trás, do tipo que costuma obrigar a ginasta a tocar as mãos no solo.




    Além do erro que falei logo acima, a Jade não cravou nenhuma passada. Os árbitros poderia ter feito um estrago na nota dela (se quisessem). Mais uma vez a tensão. E sai a nota: 13.691. Uma boa nota para esta série. Imaginem a nota que seria se a série fosse um pouco mais cravada...

    Para fechar vinha a Daniele. Expressiva, em forma e apaixonada pelo que faz, Daniele deu um show no solo! Acertou lindamente a sequência do duplo direto ao salto de dança e cravou o duplo carpado. Observem que mesmo depois de uma série excelente ela não sai comemorando, pois aquilo era só uma etapa cumprida de tudo que ainda estava pela frente. E quanta coisa ainda aguardava essa ginasta...




    As meninas competiram muito bem no solo. Aparecemos neste momento entre as três primeiras equipes. Era um começo promissor, mas ainda havia um longo caminho pela frente. As coreanas haviam tido alguns problemas na trave, algumas quedas. Mas estavam tão bem cotadas que parecia que aquilo seria reversível caso elas acertassem o resto da competição.

    E fomos para o salto. As meninas foram se aquecendo e fazendo justiça á fama de boas saltadoras, que conquistaram no treino de pódio. E então era hora de saltar. A primeira seria a Daiane.




    Ela já começa cravando. Muito bom! Consegue a nota 14.233. Nota tão boa quanto de ginastas que acertaram DTY.
    Próxima seria a Adrian, que na minha opinião tinha o timer mais alto da competição feminina.




    Um passo atrás, mas reparem a qualidade técnica e postural desse salto! Nota 14.166.
    Próxima seria a Dani.



    Muito bom o primeiro salto, onde tirou 14.266. Ela ainda fez um segundo salto e se classificou para a final deste aparelho. Este segundo salto está cada vez melhor.




    Ela acabou tirando 13.966 devido a esse desvio da linha.
    Agora viria a Jade. Ela, que era a esperança para elevar a média de salto. Ela se prepara, corre e... desiste!




    Mas não toca o trampolim ou a mesa, e pode repetir o salto!
    Enquanto ela se prepara, pensamentos do tipo "será que ela vai se desconcentrar e errar o salto?", passaram pela minha mente. Mas a resposta foi essa:




    Nota: 14.766 num dos melhores DTY que já vi a Jade fazer. Ela merecia mais!
    E para finalizar ela faz o segundo salto com grande amplitude... Maravilhosa! Ela conseguiu um 14.533 aqui.




    Por último, numa tentativa de supervalorizar a nota da Bruna (que na minha opinião deveria ter funcionado por ela saltar tão bem), ela faz o seu yurchenko com pirueta e meia, que ela não apresentava há um bom tempo. O susto aqui foi pela chegada de joelhos meio travados (o que poderia ter gerado uma lesão) e pela nota, que foi a mais baixa da equipe. Achei que o salto merecia um pouco mais.




    Neste link dá pra ver a árbitra se assustando com os joelhos da Bruna.


    Final de rotação. Ainda estávamos entre as três primeiras. Isso era incrível, mas sabíamos que o grande desafio estava por vir: paralelas e trave. De qualquer modo, as meninas haviam feito tudo que podiam para potencializar ao máximo suas notas nos dois primeiros aparelhos, que eram os nossos melhores. Claro que houveram alguns erros, mas nenhuma queda, nenhuma falha grave.
    E marcharam para as paralelas. Pelos cálculos do correspondente do ginásticas.com, Diego Aguiar, precisávamos de uma média de 13.1 na paralela e na trave para continuarmos entre as 4 equipes olímpicas. Na trave era provável conseguirmos isso, mas e na paralela, onde as meninas em Tóquio só tiraram notas na casa dos 12? Momento muito tenso.

    Agora entraria em ação Ethiene, que não havia competido no solo e salto, apesar de mostrar séries bem melhores que em 2011 nesses aparelhos no treino de pódio.
    Ainda no treino de pódio, as meninas cometeram algumas falhas. Houveram algumas quedas neste aparelho, mas se aqueceram bem e estavam prontas para competir.

    A primeira seria Daiane novamente. Ela, que no treino de pódio mostrou uma série de paralelas bem melhor que no mundial, com os trocos e lançamentos á parada bem melhores, acertando aquela pirueta e meia, indo direto para pirueta na cubital e indo direto ao jaeger. A expectativa era boa. Não da nota, mas de uma boa apresentação que lhe rendesse algo em torno de 12.8.


    Série do treino de pódio:



    Infelizmente, na hora da série ela não acertou a pirueta e meia, e ainda não teve uma execução tão boa.




    Fiquei torcendo: "acima de 12, acima de 12, acima de 12..." e veio 13.000!!! Eu lembro de comentar no Facebook na hora, "UFA!" E realmente foi isso. Um alívio e uma esperança grande de que as próximas meninas fariam notas mais altas que isso se acertassem as séries. Imaginem o que seria essa nota se ela tivesse feito uma série com a mesma qualidade do treino de pódio?
    E com uma série mais simples que a da Daiane, veio Ethiene. Ela havia caído do sola á parada no treino de pódio, e também na saída de duplo twist grupado. Como seria agora? Ela teria forças para ir até o fim?


    Abaixo, vídeo com o erro da sola á parada



    Na hora da série foi isso que ela fez...




    Ethiene consegue um 12.966. As nossas duas primeiras notas estavam abaixo da média que precisávamos, mas por muito pouco. Com Bruna, Jade e Dani por competir a expectativa era que conseguiríamos.
    E vem a Bruna.




    Ela acerta toda a série com boa execução e compete muito bem. Mais uma vez, assim como no solo e no salto, sinto que ela poderia receber uma nota um pouco mais alta em comparação com a nota das outras brasileiras. E ela recebe, assim como Daiane, um 13.00o. Continuávamos muito próximos da nota 13.1 de média, mas não estávamos lá ainda.
    A próxima era Jade e essa nota tinha que subir. Se fizesse 13.300 já puxava nossa média para o que precisávamos.
    O vídeo está com o nome da Bruna mas é a Jade...




    Jade consegue um 13.133. Já aliviava um pouco a situação, mas não muito. Jade fez uma série boa, mas faltou chegar á parada nos lançamentos. Observem como a Daiane torce na saída. É porque ela estava com problemas nesse elemento nos treinos.
    Agora a responsabilidade era colocada sobre Daniele. Ela precisava puxar a nota para cima. Mas como? A sua série estava melhor sim, mas não o bastante para receber uma nota tão alta quanto precisávamos. De qualquer forma, tínhamos a trave para puxar a nota da equipe para cima mas... confiar na trave? Aparelhos que fariam cansadas? A situação era complicada.
    Dani havia apresentado uma série nova no treino de pódio, mas havia errado o elemento novo: oitava á parada com pirueta:



    Na hora da competição ela optou por simplificar a passagem da barra baixa para alta, mas manteve a oitava á parada com pirueta e acertou uma ótima série.



    Levei um grande susto na hora da saída. Tive a impressão que ela havia soltado cedo demais e que não teria altura para aterrissar. Mas ela consegue!
    Com a nota, 13.333 conseguimos a média de 13.116. Emoção a mil!
    Faltava o último aparelho. A TRAVE. Enquanto o Brasil marchava eu queria poder ajudar de alguma forma. Mas como? Só podia torcer. Só isso.
    Nessa altura do campeonato a Coréia havia passado mais ou menos no solo e no salto, e iam para seu melhor aparelho. Mas a Coréia já não era mais uma ameaça. A Espanha também não. O que estava á nossa frente era uma supreendente Bélgica. De qualquer modo, se conseguimos a nota na barra, temos muitas chances na trave. Mas o medo continuava lá. Cheguei a levantar da cadeira e senti vontade de fechar os olhos a cada série. Mas como poderia deixar os leitores na mão? E outra: precisava aproveitar a oportunidade de presenciar aquele momento.
    Começa o aquecimento da trave. As ginastas aquecem bem, mas a Adrian cai no giro com perna alta e Jade estava muito "off". Ela errava elemento atrás de elemento e a situação ficou tensa.
    Fim de aquecimento, é agora.
    A primeira é Ethiene. Que coragem, que força interna, que maturidade! Não toma nota de que está definindo uma viagem ou não de uma equipe para os Jogos Olímpicos e acerta com muita firmeza toda série. Perde a ligação da reversão sem mãos ao sheep mas, mais importante que isso, evita uma queda na reversão sem mãos. A série possui uma saída fraca, o que puxa a nota desta série para baixo. Mas o fato dela passar a primeira série sem quedas alivia a pressão sobre as companheiras. Artística, expressiva, linda. Ethiene abre a nossa passagem pela trave muito bem.
    Na lateral da trave podemos ver o clima. Os treinadores, as ginastas... o momento era muito tenso.




    Ethiene consegue a nota 12,666. Longe da nossa meta, mas uma série muito boa para abrir nossa trave e para puxar as próximas notas para cima.
    A próxima é Bruna. Mais uma ginasta de linhas bonitas, e com uma série mais forte que da Ethiene. Esperávamos uma nota boa, mas a Bruna foi desvalorizada pelos árbitros em toda a competição. Como será agora?




    Ethiene, que já rezava de costas, se vira para aplaudir. Bruna havia passado muito bem. Quase sem falhas. Havia potencializado a execução o máximo que podia... nota 13.366, mais de dois décimos acima da média que precisávamos. Muito bem, era preciso continuar assim.
    A próxima era Adrian, ginasta que no ano passado chegou a apresentar séries bem fortes neste aparelho, mas no Mundial e Pan estava apresentando performances mais fracas. Não podemos ter quedas... não podemos. Adrian havia caído no giro do aquecimento. Esse foi um dos momentos mais tensos de sua prova, assim como a saída... que ela cravou!




    O suspiro de alívio dela no fim da série é de todos, pois provavelmente ela bateria a nota da Bruna e logo após teríamos Jade e Daniele. Estávamos mais próximos...
    Nota da Adrian: 13.433!
    Agora a Jade. Ela que não havia se aquecido bem. Começa com a entrada de layout, cravada. Pensei: "vai dar certo", mas no início da sequência acrobática já dava para notar que ela ia cair. Estava fora do eixo. E como me doeu escrever a palavra "cai". Pensei que, se ela continuasse bem, poderia tirar uma nota melhor que Ethiene, devido ao seu grau de dificuldade. Ela acerta o johnson, segura o giro, crava o mortal lateral. Pensei, "agora vai!" Mas ela volta a cair no mortal para frente. Volta, faz o cortada + salto gato, prepara saída... faz a saída e chega baixa.




    Sim, teríamos que contar com a nota da Ethiene. 11.866 para Jade. Se colocássemos um ponto da queda do mortal já seria 12.866 e o trabalho da Dani seria mais simples. Se a Jade não cai, a nota seria pelo menos 2.2 mais alta, pois além da queda ela perde a bonificação de 0.2 da sequência acrobática. A nota seria aproximadamente 14.066, o que já nos daria a classificação. Mas não foi o que aconteceu.
    Observem que Bruna e Ethiene não tinham mais forças para olhar para a trave. Adrian incentivava e Daniele se aquecia de olho na companheira. Quando Jade cai no mortal estendido, Dani não está vendo, mas escuta a torcida dizer "ohhhhhh"... e quando faz o giro, Dani olha para a colega que não está sobre a trave. Depois, mais uma vez, Dani apenas escuta outro "ohhhhh"... E nesse momento ela sente o peso de uma equipe que sofreu, que chorou, que perdeu, que foi criticada, que foi desacreditada, e que queria muito provar que não era uma geração que ia passar em branco. Ela sentia todo esse peso sobre as costas. Calculem, imaginem, já que a maioria de nós não sabemos o que é subir numa trave para fazer uma cortada com pé na cabeça, uma saída de rondada flick duplo mortal carpado! Vamos imaginar o que foi isso para ela. Como subir na trave e acertar toda a série? Bem, foi o que ela fez. Quando ela subiu para se preparar, para começar a série, eu pensei: "tudo depende da Dani agora. Só ela pode mudar o destino dessa história."
    E lá foi ela, com o peso do mundo nas costas executar o que, para mim, é seu melhor aparelho. Ela estava nervosa. Na parada á força ela chegou a hesitar de leve. Mas, do momento em que se preparou para a série acrobática até o fim, ela lutou!




    Essa série eu assisti tremendo imensamente. Quando ela prepara a saída, eu fico em pé. E fico lá falando: "força, força, força!" Quando ela acerta, eu grito: "ISSOOOOOOOOOOOO!!!" E toda a tribuna me olha com cara de "esse cara é doido?" E nesse momento eu já chorava. Os momentos seguintes foram a maior agonia. Se ela tivesse caído no cortado com pé na cabeça, já era. A classificação não viria. Com uma boa série da Jade, mais a Dani competindo sem essa pressão absurda, teríamos fechado com uma média muito boa na trave, mas não foi assim. Foi tenso, tenso e tenso. E o desfecho meus amigos, foi esse:



    Nota 13.866, nota do Brasil 217.985 e Brasil passa a Bélgica que havia conseguido 216.863 com uma diferença de aproximadamente 1.1!



    Nesse momento só fui capaz de avisar aos leitores que o Brasil estava classificado e saí correndo para abraçar a Georgette, a Priscila Cobello e a Gabriela Soares, que nem sabem quem eu sou. Mas eu precisava dividir aquela emoção com alguém e elas estavam logo ali. Foi algo muito forte. Á Georgette, que eu havia entrevistado dois dias antes, eu só dizia: "DEU GEORGETTE, DEU!" E ela com os olhos cheios d´água, sorriu. Corri para a zona mista para esperar a saída delas, que ainda tinham a premiação pela frente. Todos os jornalistas e blogueiros do mundo todo estavam encantados com aquele momento. As pessoas vinham me parabenizar enquanto brasileiro, como se eu fizesse parte de tudo aquilo também. Quando elas saíram da premiação, Jade, Daniele e Daiane foram chamadas pelos repórteres de TV, enquanto Bruna, Ethiene e Adrian não. Esse foi o momento de falar com elas. Brevemente, só para dizer "OBRIGADO" por tudo que cada uma delas fez do início ao fim daquela competição. Elas, que não são as estrelas da seleção, mas que brilharam a cada série. Depois veio a Daiane já mais descontraída, dizendo o quanto estava aliviada com o resultado. Jade veio já pedindo desculpa... desculpa? Como ela pode pedir desculpas por alguma coisa? Não existe competição sem erros. Por isso elas são uma equipe, para cobrir os erros e dificuldades umas das outras.
    Eu disse á ela: "Jade, foi perfeito, não tem nada fora do lugar. Tá tudo certo. PARABÉNS!"
    A Dani foi a última. Ela, com a sensação merecida de heroína deste grande feito, também me recebeu e falou comigo. Disse o quanto estava feliz com tudo. Algo que nunca vamos saber é explicar como ela conseguiu aquela série naquele momento de tensão extrema... Parabéns Dani! Só uma ginasta com esta experiência poderia fazer isso.
    Sem Jade não haveria Olimpíadas, sem Bruna também não, sem Adrian também não, sem Ethiene também não, sem Daiane também não e sem Daniele... não mesmo!
    Muitos vão dizer que foi sorte, que foi isso, que foi aquilo. Mas não foi. Elas entraram e fizeram o trabalho delas. Jogaram com as cartas que tinham. Se o que podiam fazer era acertar o melhor possível aquelas séries, elas acertaram. Se não fôssemos uma equipe forte, a nossa nota a ser descartada na trave (que depois teve que ser utilizada) não nos serviria para classificarmos. Jade errou trave e poderia ter competido melhor no solo, Daiane poderia ter feito uma barra melhor, Adrian poderia ter acertado o memmel no solo, Ethiene poderia ter ligado a reversão sem mãos com o sheep (como fez no treino de pódio), Bruna poderia ter cravado o salto sobre a mesa e a Dani com certeza faria uma série de trave melhor numa situação menos tensa. Todas poderiam ser melhores, mas foram bem o suficiente para conseguir o que muitos julgavam impossível. Isso porque foram uma grande equipe, merecedoras o suficiente para participarem dos Jogos Olímpicos de 2012.
    Esse feito muda a forma de olharmos para essa seleção. As meninas conseguiram se encontrar e podem continuar melhorando cada vez mais até os jogos. Mas, para mim, dificilmente haverá algo que elas façam para superar a emoção desse momento. Esse momento foi único e especial. Acredito que esse será marcado como o grande momento da geração 2012. E que momento! Espero estar mais uma vez enganado e que muitas emoções estejam por vir.
    Se algum dia, alguma delas ler esse post, gostaria de dizer-lhes algo. Obrigado pelo momento mais emocionante da minha vida! Obrigado por receberem com tanto cuidado todo o carinho e gratidão que eu quis demonstrar quando as vi. Obrigado por retribuírem com tanto afeto o "abraço de urso" que dei em cada uma. Eu não sou alguém que elas conheçam, não espero gratidão ou reconhecimento de nada do que escrevi aqui por parte delas, mas eu precisava disso. Precisava colocar aqui tudo que senti. E foi tudo por causa delas. Obrigado á Deus por permitir que eu vivesse esse momento. Foi simplesmente maravilhoso.
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    27 comentários:

    1. Post lindo demais!! Obrigado a você por dividir essa experiencia conosco!!!
      Eu chorei na hora que li que vc escreveu que estavamos classificados, pq eu mesmo nao acreditava que era possivel a classificação...
      E quando vi o video delas esperando o resultado, qndo saiu e a comemoração delas... nao importa quantas vezes eu vejo...sempre choro, de emoção, de felicidade, e de gratidão...

      Vocês são heroínas, Jade, Dani, Dai, Ethiene, Adrian, Bruna, Gabi e Pricila... sem vocês o meu sonho de FÃ não seria realizado...espero que vcs continuem assim e melhorem para Londres novamente esse ano...

      Obrigado por tudo!!
      xD


      Isadora!

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    2. Emocionantes mesmo! É isso aí, as meninas estão de parabéns. Lembro-me daquele video depois do mundial de tokyo em que a Adrian dizia que elas estavam trabalhando muito e pedindo a credibilidade de todos. O resultado é esse, uma equipe desacreditada que venceu todos os desafios. Elas tinham tudo contra elas, mas venceram, foram guerreiras mesmo. E agora estamos em Londres e é isso que importa!

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    3. Noooossa eu me emocionei denovo, lendo esse post !!! Parabens meninas, vcs realmente lutaram até o fim e foi lindo! parabens A TODAS !!! BRUNA, ADRIAN, ETHIENE, DANI, JADE E DAI ♥ VCS SÃO MTO GUERREIRAS !!! QUERO ME EMOCIONAR DENOVO COM VCS NAS OLIMPIADAS :)

      Ao lucas que escrever esse post, obrigado por dividir essa maravilhosa esperiencia de vida com os leitores aqui *---------* OTIMO POST, PERFEITO !! MERECE IR PRA UM LIVRO x_x

      Ethiene rezando, achei divino ! Fez eu gostar mais dela ainda ♥

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    4. Eu, que acompanhei tudo pelo Face, li isso e vi os vídeos, tive a mesma sensação de como se estivesse vendo pela primeira vez. Obrigado pela cobertura PERFEITA, Cedrick! Sem você a gente mal saberia o que aconteceu lá, e não teria tanta emoção assim. Um abraço!
      Marcos

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    5. Primeiro de tudo Parabéns! Sim, eu li tudo e vi todos os vídeos e posso dizer que senti muita
      emoção! Mesmo já sabendo de tudo que tinha acontecido! Parabéns mesmo por conseguir
      passar essa emoção para quem está lendo! Vou assumir que eu nao acreditava
      nessa classificação mas elas arrasaram, e nao foi sorte nao! Foi muitoooo merecido! PARABENS!
      Luisa Rodrigues

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    6. Belíssimo post Lucas!!!! Me fez reviver cada momento daquela noite histórica!
      Realmente essas meninas sao heroínas e merecem todo reconhecimento!

      Grande abraço!

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    7. Cedrick, você poderia postar a tabela de elementos? Tipo, eu queria saber todos os valores de salto, paralela, trave e solo: Exemplo: DTC = 0.6, Rinca: 0.5, Eu gostaria de saber de todos, por favor poste! OBG

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    8. Nossa Lucas, estou chorando aqui completamente emocionada com o seu post. É incrível ver essa geração superando a cada dia as críticas da nossa mídia ignorante e, acima de tudo, se superando e demonstrando que são uma equipe que merece todo o respeito do mundo. Me dá uma saudade enorme de ter isso, uma equipe. Imagino como deve ter sido realmente emocionante vivenciar um momento como esse. Não há nada para falar, além de parabenizá-las agradecê-las por cada momento, emoção e lição que essas pequenas gigantes nos proporcionam, né?!

      Saudades!

      Beijos, Stéphanie Almeida.

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    9. nossa mais esse momento foi unico mesmo!pra mim nao teve outra coisa que marcou tanto a ginastica brasileira.
      as meninas estao de parabens!foram la e mostraram que mereciam estar nas olimpiadas,nao por sorte,mas por terem ginastica pra isso.
      parabens ao GBB e ao Lucas pela perfeita cobertura desse evento.e que venha as olimpiadas pra quem sabe o Lucas esta em Londres de novo.

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    10. Primeiro de tudo, as meninas estão de parabéns. Conquista muito importante mesmo que uniu um pouco de sorte (pela equipe espanhola ter ido mal, pela bélgica ter perdido pontos, essas coisas), bastante equilibrio psicológico, sendo uma das últimas seleções a competir, sabendo já do enrosco que seria e o que viria pela frente e ainda, e nao menos importante, a competencia em ir lá e fazer o que precisava ser feito.

      Segundo: que leotard lindo esse que elas usaram pra competir. Todo azul, super brilhante. LINDO. Achei maravilhoso.

      Achei lindo o solo da Bruna e da Adrian. Adorei as coreografias delas. :) Super bonitas.

      E mais uma coisa, eu nunca fui fã da Daniele e nem gosto dela, mas ela teve nervos de aço pra aguentar a pressão toda em cima dela na trave. Isso deve ser reconhecido.

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    11. Nunca li nada escrito por vc, nem sei quem vc é...mas conheço a maioria dos atletas citados, e conheço o trabalho do Ricardo. Li seu texto, arrepiada, vibrando, com os olhos cheios de lágrimas e me sentindo ao seu lado...Só a paixão pra fazer um texto ser tão verdadeiro!! Me deu até vontade de gritar..."Força Lucas!"...Ganhei meu dia.... Parabéns Lucas....

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    12. Lucas vc foi Invicto nessa combertura.
      É realmente emocionante ler tudo o que vc escreveu.

      sucesso total

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    13. O melhor do melhor do mundo em fazer cobertura de eventos ....
      Parabéns torci junto nesse dia pelo Facebook foi demais...
      E Agora Rumo a Londres em Julho novamente?

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    14. ARREEPIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAADO ! ACOMPANHEI TUUDIIIIIIIIIIIIIIIIIIINHO ! Puleei muito ao saber que teríamos BRASIL em Londres 2012 ! UUUUUUUUUUUUUUUUUHUUUUUUUUUUUUUUUUU !
      RoooodrigoDaMotta'

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    15. Eu fiquei tão emocionado no dia acompanhando pelo facebook. E hoje com os vídeos eu realmente chorei. Tão lindo, tão belo. Um beijo e muito obrigado por tudo, pois os seus comentarios são muito valiosos. Enquanto nenhum canal transmitia as meninas, tínhamos você.
      Muito obrigado novamente do fundo do coração xD

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    16. PARABÉNS A TODAS AS MENINAS! VOCÊS SÃO GUERREIRAS E VENCEDORAS! SEMPRE FUI OTIMISTA POR VOCÊS.

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    17. Você me fez chorar novamente, e no trabalho! Lucas, se eu tivesse a chance de ter vivido o que vc presenciou em Londres, eu me sentiria tão TÃO feliz, tão maravilhada de assistir ao vivo esse momento histórico... Sua descrição de cada segundo foi perfeita, me senti na O2. Obrigada, de verdade por dividir comigo e com todos os leitores esses momentos. No clima pós classificação, eu, super exultante em casa escrevi em um dos tópicos da página do Gym Blog no face: "Antes do blog, eu sentia que torcia sozinha... Agora parece que ganhei milhares de amigos!".
      Obrigada.. de verdade. Que vontade de te dar um abraço de urso agora!

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    18. Sua narração fez ter a sensação que estava ao seu lado e imagino as suas sensações pois percebo o quanto vc ama esse nosso esporte que ainda não tem essa dimensão.Obrigada por permitir sentir suas emoções com tanta veracidade.

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    19. Posso dizer só uma coisinha?

      Estou apaixonada pelas músicas de solo da Jade (He's a Pirate, versão diferenciada) e da Daniele (Fatal Drama - Saw). Eu adoro particularmente quando as ginastas usam temas de filmes. Por isso estou encantada também pelo solo da Mustafina (a primeira parte da música não sei de onde é, mas a segunda é Challenge - Pussy in Boots).

      Ar-ra-sem, meninas!

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    20. meeu que lindo velho chorei muito me arrepiei todoooo !! parebéns lucas !!

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    21. A descrição mais completa que li até agora...
      Simplesmente lindo!

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    22. Ana Cristina Gonser26 janeiro, 2012 16:55

      Parabéns pela exelente cobertura da competição, quem dera tivessemos mais pessoas como vc, que dessem esse valor a essas meninas que realmente são maravilhosas porque a grande maioria das pessoas não tem idéia do que elas passam, do que elas tem que abrir mão de viver pra estarem lá.
      Obrigada pelas imagens e palavras maravilhosas. Parabéns..

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    23. Lucas, me senti como se estivesse ao seu lado...Lindo... Beijos no seu coração. Maria Raquel

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    24. Cara, você destruiu... eu nunca me emocionei tanto vendo uma cobertura como esta, vc foi simplesmente, perfeito, somente uma pessoa com toda essa paixão pela ginastica poderia fazer isto...
      P.A.R.A.B.É.N.S C.O.M L.O.U.V.O.R
      E quanto as meninas elas fora simplesmente perfeitas guerreiras, lutaram até o fim, foi emocionante demais pra quem só estava acompanhando, imaginem só, como foi para elas...
      Elas devem ir para esta olimpiada, sem pesos, jogar tudo, arricar, colocar dificuldades, surpreender, potencial e talento elas tem de sobra.
      E lembren-se independente do que acontecer apartir de agora, vocês ja escreveram o nome na ginastica brasileira e mundial, pra mim são as melhores do mundo... tenho muito orgulho de vocês.

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    25. Sensacional!!!!!!

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    26. Parabéns Cedrick1!
      Chorei com esse post cara!!
      Virei seu fã!

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