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  • Sobre o caso de racismo na seleção brasileira de ginástica


    Todos sabem, senão a maioria, sobre o polêmico episódio de racismo ocorrido dentro da seleção brasileira de ginástica durante uma fase de treinamento da ginástica masculina em Portugal. O atleta Ângelo Assumpção foi comparado a uma de tela celular quebrada (que fica da cor preta quando isso acontece) e a um saco de lixo (também de cor preta) pelos outros atletas e companheiros de equipe Fellipe Arakawa, Arthur Nory e Henrique Medina. De acordo com o vídeo postado, que é a principal fonte de informação de todas as opiniões até o momento, as ofensas por parte de Nory e Arakawa são muito claras enquanto a participação de Medina chega a ser até um pouco duvidosa.

    Dentre todos, o que mais sofreu em consequência de suas atitudes até o momento foi o ginasta Arthur Nory: o ginasta recebeu muitíssimos comentários agressivos e odiosos (talvez porque tenha sido o responsável pela publicação dos vídeos que causou todo o tumulto), atitudes também impensáveis e erradas de quem comentou. Esse blog também recebeu várias críticas negativas pela opção de não se pronunciar a respeito. Elas vieram por e-mails, comentários públicos e privados, e não é esse o motivo pelo qual resolvi expressar a opinião e esclarecimento dos fatos, mas sim porque, depois de uma semana, consegui pensar com mais clareza e imparcialidade sobre o assunto. Peço desculpas pelo atraso. Se a opinião do blog é realmente importante, leia o texto com bastante atenção e entenda o que defendemos e pensamos.

    Como dito no começo, toda a fonte de informação e opinião foi baseada em vídeos postados nas redes sociais. Além do que foi postado, ninguém esteve presente no momento e ninguém ouviu toda a conversa; poucas pessoas conhecem o nível de intimidade e amizade dos ginastas envolvidos. Ou seja: todas as conclusões foram tiradas a partir dos 30 ou 45s de imagens que vieram a conhecimento público. Entretanto, nos vídeos fica claro o descontentamento de Assumpção depois do ocorrido, chegando a dizer que os amigos eram falsos.

    Em uma rede social, uma amiga negra que nada tem a ver com a ginástica, compartilhou a notícia com a seguinte legenda: "Esse é o tipo de brincadeira que não se faz, ok? Nem com amigo, nem com irmão, nem com pai, mãe...Com ninguém! Entendido?". O que ela compartilhou me fez pensar um pouco em mim. Tenho alguns "graus" de melanina a mais na pele, meu avô era negro. Por conta de toda essa miscigenação brasileira acabou que, dentro de uma família grande, sou o mais (ou o único) neguinho de todos. E, como caçula, tive irmãos mais velhos que me importunaram com todo o tipo de pirraça possível com relação à minha cor, principalmente na fase da infância e adolescência, período de construção do caráter e auto-confiança de uma pessoa. O tempo passou e, como adulto, tenho muito orgulho de mim mesmo, da minha cor e do que represento. Entretanto, num ambiente familiar, demorou um pouco para que isso acontecesse. Amo muito todos os meus irmãos e hoje acho graça das coisas que aconteceram, mas talvez, sem as pirraças dos mais velhos, a segurança e auto-confiança tivessem acontecido mais cedo. E talvez, se eles soubessem disso, nunca tivessem "brincado" dessa forma.

    Sim, estou comparando a amizade de Ângelo e Nory à uma família. Os ginastas cresceram juntos, convivendo várias horas por dia durante muitos anos, e a convivência gera certa intimidade que dá a liberdade de "brincar", pirraçar e fazer certas coisas. Provavelmente Nory conhece Ângelo muito mais do que muitos parentes do ginasta. Mas tudo tem um limite, principalmente quando se expõe algo para a opinião pública, e quando esse limite é ultrapassado tem que saber lidar com as consequências. Ao publicar as "brincadeiras", Nory pediu a aprovação das pessoas para o que eles fizeram. Estavam procurando "likes", carinhas de "emoticons" sorrindo nos comentários, quando aconteceu justamente o contrário: total reprovação. O vídeo acabou agredindo milhões de brasileiros e, enquanto os ofensores se reconciliavam com seu amigo/irmão, a proporção de ofendidos online só aumentava.

    Esse foi o segundo grande erro: publicar tudo nas redes sociais. Pedir a aprovação pública para tal ato foi um tiro no pé, principalmente porque o público detestou. E o caso agora não é mais um caso de família. A ofensa não é mais contra Ângelo, mas contra muitas, muitas pessoas mesmo. Enquanto tudo provavelmente já se resolveu e está em paz dentro de casa, lá fora tem uma multidão enfurecida esperando por uma justiça que precisa acontecer.

    O ocorrido tomou proporções grandes e inesperadas. A Confederação Brasileira de Ginástica já encaminhou o caso para a Justiça Desportiva que deve começar a ouvir os envolvidos na próxima semana. Além disso os ginastas tiveram seus salários cortados e estão suspensos das atividades na seleção por, inicialmente, 30 dias. Entidades particulares também abriram processos contra os ginastas. Isso sem contar todos os danos causados a si mesmos com relação à valorização da imagem pessoal: a atual condição é muito negativa para diversas pessoas, incluindo fãs do esporte e possíveis patrocinadores. Ninguém quer associar sua marca e paixão pelo esporte a atitudes assim.

    Em 2012, a CBG tomou uma decisão extremamente rígida com relação á Jade Barbosa, jogando fora, inclusive, as únicas chances de finais que o Brasil tinha para a ginástica feminina nas Olimpíadas de Londres. Por conta de um contrato que o pai da ginasta não a autorizou assinar, acabou cortada das Olimpíadas. Não adiantou voltar atrás, pedir desculpas, fazer coletiva de imprensa, nada! A CBG foi radical e é bem provável que nunca mais tenham problemas parecidos com esse. A diferença agora é que o caso não é de um simples contrato que envolve apenas uma ginasta numa equipe de 5 atletas: o caso agora é mais grave, são 3 ginastas contra um Brasil de cor negra. E se a CBG não quiser ter problemas como esse novamente, é melhor que seja radical outra vez.

    Para colocar ainda mais gravidade ao problema (como se já não houvesse gravidade suficiente), ainda temos a sensacional mídia brasileira que faz de tudo por mais audiência em todos os veículos de informação. Tudo vira ibope e notícia, interpretado e repassado para milhões de pessoas da forma como o redator quiser, gerando ainda mais polêmica e revolta em quem já estava ofendido com a situação. Talvez seja por isso que muitos cobraram a minha opinião por aqui, que não estou nem um pouco interessado em ganhar audiência botando mais lenha na fogueira.

    E aqui está a minha opinião: sem querer justificar o erro, num caso de "família" não cabe às pessoas julgarem e opinarem o que aconteceu, só que problemas familiares se resolve dentro de casa e não junto da vizinhança, pedindo opinião para o bairro inteiro. Um caso público é completamente diferente e se resolve com uma justiça competente. Os atletas envolvidos não são marginais ou bandidos, respeito todos eles e a importância de cada um para a seleção, mas todos devem pagar pela atitude infeliz e inconsequente. O povo brasileiro não está preocupado com medalhas e classificação olímpica, ele está apenas de olho, procurando justiça, querendo saber como tudo vai terminar. O povo quer que "aquele menino negro que foi campeão da ginástica" seja respeitado.

    Post de Cedrick Willian
    Foto de Ricardo Bufolin
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    8 comentários:

    1. Sinceramente, eu sou negro, e nao me senti ofendido com isso! Pra mim, se sente ofendido, quem quer se sentir ofendido.. Meus amigos me zoam e brincam comigo pelo fato de eu ser negro.. E eu brinco com eles por outras coisas também! Mas acima de tudo nos respeitamos! Quando um de nós fica bravo, fazemos como os meninos, pedimos desculpas.. O erro foi justamente o que você falou, ter sido divulgado e caido em mãos de gente que so quer gerar polemica.. Eu, particulamente, acho isso de uma hipocrisia sem tamanho! Duvido que ninguém nunca zuou um amigo alto, baixo, gordinho, branquelo, uma loira, e por ai vai.. Quem os conhece, ou pelo menos procura saber da vida deles antes de julgar, sabe que não tem como eles serem tudo o que estao falando! Erraram? Sim.. Mas estao sendo tratados como bandidos, como se tivessem matado alguem.. E acho que não é por ai! As pessoas estão criando uma imagem errada deles, um pré-conceito, pois julgam sem conhecer.. Enfim, espero que isso tudo acabe logo, que toda a historia se resolva, e que eles possam retomar suas vidas normais..

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    2. Eu também sou negro, porém, me senti ofendido. As pessoas são diferentes, possuem reações diferentes. O que pode não ser ofensivo para alguém ,pode ser para o outro. Na dúvida, não faça.

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    3. Hipocrisia é a palavra que define como o amigo acima bem disso.
      Eu particularmente não gosto de fazer piadas, mas a maioria das pessoa fazem, e fazem utilizando-se de temáticas contra negros, homossexuais, gordos, nerds. Por que apenas contra os negros que os os acusados devem ser punidos severamente? Seus irmãos portanto deveriam ser acusados então ?

      Como eu disse acima, não gosto de piadas pejorativas, e acho sim que atos como esse podem ajudar a diminuí-las, o que seria bom para a sociedade brasileira, contudo prezo pela parcialidade no tratamento.

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    4. O que acontece é que, as pessoas querem reprovar esse comportamento mesmo que seja em uma esfera muito intima. O problema ão é apenas o fato do video ter sido divulgado, o problema está no fato da brincadeira ter acontecido. As pessoas não aceitam que brincadeiras saudaveis ou não, ACONTECEM A TODO INSTANTE EM TODOS OS LUGARES DO MUNDO. O grande problema com a brincadeira com o negro é porque sempre se remete a uma questão histórica. Quando você denigre a imagem de uma pessoa negra, as pessoas sentem que você o está devolvendo-o à história do escravismo. E nem sempre é assim. Nory não deveria ter publicado, porque uma coisa é ter o perdão do seu amigo, o qual possivelmente ele também já deve ter perdoado em algum momento da vida, outra coisa é conseguir o perdão de pessoas que não toleram tal comportamento mesmo dentro da privacidade de cada um. Ao Nory agora, prepare-se, porque a condenação em praça pública está apenas começando.
      Fernando

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    5. Eu não acredito que os rapazes sejam racistas, e a meu ver a punição foi, eu diria, de bom tamanho. Não dá pra achar que não foi nada, mas banir os rapazes do esporte (como muitos estão defendendo pela internet afora), acho que seria demais. Fizeram as "brincadeiras" achando que não tinha nada demais - bom, eu me sentiria bem ofendida se alguém me comparasse a um saco de lixo por causa da raça. Meu ponto é que se o Nory e os outros tivessem parado para pensar em como os negros têm sido inferiorizados de tantas formas ao longo da nossa história, não teriam falado nada daquilo; é uma sensibilidade que vem da consciência social e da educação, algo que me falta e muito aos jovens aqui. Um detalhe que me chama a atenção é que alguns têm se referido aos três rapazes como "brancos", enquanto o Nory e o Arakawa são mestiços e o Henrique é negro.

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    6. Uma observação, as pessoas estão dizendo que os atletas cometeram um crime, mais o que define o crime é a legislação do país onde o ato criminoso ocorreu ou a extraterritorialidade (que não é o caso para racismo). Os atletas estavam em Portugal, então não cometeram crime no Brasil e o Ângelo não prestou queixa no Brasil e nem em Portugal. Por isto não foram levados à delegacia e nem correm o risco de serem presos. Assim como o Governo Federal e seus ministérios não tem o poder de punir atletas vinculados a federações, as federações são independentes e em hipótese alguma podem sofrer influências ou interferências do Governo Federal (observando que as federações esportivas devem obedecer à legislação local). O caso dos ginastas é uma questão ética e que deve ser julgada conforme normas de conduta, regimentos e demais documentos das federações esportivas e da confederação de ginástica. Por isto os atletas serão julgados pelo STJD e não pela justiça comum. Caso os atletas sejam absolvidos ou punidos não será uma questão de injustiça é sim uma questão de regimentos pouco abrangentes ou muito severos.

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    7. Wol...
      Sou negra, mãe de filhos brancos, considerados afrodescendentes e vivi em toda minha infância influência de "amigos" com piadinhas, mas tudo bem passei, enfrentei em casa situação similar com meus irmãos "brancos"... É tudo bem. Mas hoje deparar em pleno séc 21 com piadinha racista, quando temos legislação, informações diversas sobre o assunto é demais.
      Me senti mal, muito mal com a comparação do saco de lixo. Lixo é para saco preto, e negro é considerado lixo... isso me causou nojo e muita pena do atleta.

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    8. Caso de família? E agora é um programa do SBT? Você relamente acredita q a meritocracia na ginástica é tão preto no branco?

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