-->
  • Precisamos proteger nossos atletas


    A Federação Americana de Ginástica Artística está envolvida em um dos maiores casos de crimes de pedofilia dos Estados Unidos. Lary Nassar, médico da seleção americana de ginástica por mais de duas décadas, está preso e aguarda julgamento.

    Impulsionada pelo movimento "Me too" (significa "eu também"), que estimula mulheres no mundo todo a denunciarem seus agressores sexuais, a ginasta Tatiana Gutsu desabafou e expôs um abuso de 27 anos atrás em seu Facebook pessoal, abuso cometido pelo ex-ginasta estrela Vitaliy Sherbo, companheiro de equipe e detentor de seis medalhas de ouro olímpicas em uma única edição dos Jogos em 1992, Barcelona. Segundo Gutsu, o abuso aconteceu durante a Copa do Mundo de Stuttgart, Alemanha, em 1991, e o crime foi acobertado por outros dois ginastas: Rustam Sharipov e Tatyana Toropova.

    E hoje foi a vez de McKayla Maroney, medalhista olímpica e mundial americana, se pronunciar a respeito dos abusos que sofreu, inclusive, durante os Jogos Olímpicos de Londres em 2012. Os abusos aconteceram desde quando ela tinha 13 anos. Maroney foi uma das estrelas da ginástica americana que teve coragem de se expor (varias outras ginastas internacionalmente conhecidas ainda não tiveram essa coragem) e fortalecer a denúncia contra o médico Larry Nassar, que chegou a dar uma pílula para ginasta dormir e acordar no quarto de hotel do médico sozinha e vulnerável.

    Mais de 300 denúncias contra a entidade e membros da Federação Americana de Ginástica nos últimos 20 anos foram publicadas no Jornal Indianapolis Star, mostrando que pelo menos quatro membros da Federação ignoraram suspeita de abusos de treinadores com atletas e não passaram o caso para as autoridades competentes.

    Após a publicação, a USA Gymnastics começou um processo investigatório particular, que resultou em 70 recomendações para a Federação, que concluiu, também, que esta falhou em muitos aspectos relacionados aos crimes: a Federação não comunicou às autoridades da lei sobre as alegações de abuso feitas pelos ginastas e seus responsáveis; não tinha um protocolo concreto de abordagem dessas reclamações; não rastreou os criminosos que foram denunciados e despedidos dos clubes de origem e acabaram sendo empregados por outros clubes e cometendo mais abusos.

    A recomendação mais importante feita após o processo investigatório foi que a Federação reporte imediatamente qualquer reclamação às autoridades competentes. "A segurança de inúmeras jovens ginastas em todo o país depende da capacidade da Federação de efetuar essa mudança cultural", disse a ex-promotora federal e responsável pela investigação Deborah Daniels. "A Federação deveria focar na segurança dos atletas - não apenas em ganhar medalhas".

    O retrato da situação atual nos Estados Unidos abre os nossos olhos para nossa própria realidade: o que nós - treinadores, atletas, auxiliares, árbitros, chefes de delegação, presidentes de federações, Confederação Brasileira de Ginástica e, por fim, Comitê Olímpico Brasileiro - estamos fazendo para reduzir os riscos de casos graves como esse acontecerem - ou continuarem acontecendo - no Brasil?

    Por conta do sigilo judiciário, nada se sabe a respeito do andamento da acusação de abuso sexual feita contra o ex-treinador da seleção Fernando Carvalho. A Confederação Brasileira de Ginástica, na época, afastou o treinador da seleção e dos compromissos em campeonatos. Mas só isso basta? O que mais foi feito?

    Denúncias devem ser reportadas e as instituições devem auxiliar nas investigações, doa a quem doer. Não é porque o treinador é bom ou tem nível técnico elevado que as medalhas e treinamento tem que ser priorizados. Abuso sexual é grave! Devemos parar de agir como se o problema não fosse nosso, como se o caso fosse só da polícia. O mínimo que devemos fazer é reportar e auxiliar na punição dos culpados. Esse foi um dos grandes erros da ginástica americana: os treinadores, famosos por suas conquistas, eram aceitos em novos clubes; levavam tanto os conhecimentos técnicos como suas atrocidades pessoais.

    Pior ainda é quando um ginasta é o agressor e é acobertado. Por quê? São as chances de medalhas? Vale a pena acobertar um criminoso por suas chances de medalhas? Abuso de incapazes também é crime. Homens e mulheres, mesmo em idade adulta, que estão sob efeito de álcool ou drogas, estão em situação de incapacidade e, portanto, não estão aptas a decidirem com a coerência necessária. Estupro de vulnerável: quando a vítima não é capaz de defender-se.

    Onde tem fumaça tem fogo. Quando existem piadinhas, historinhas, mal falados, brincadeiras com fundos de verdade, é quando devemos ficar atentos: na maioria das vezes tem algo maior por trás. Vale a pena investigar, ficar de olho, educar, reportar e auxiliar em tudo que puder. Não ignorem as suspeitas.

    Atualmente não se sabe se a dirigência da ginástica e do esporte brasileiro adotou uma postura de regras e prevenções educativas sobre abusos sexuais. Uma coisa é fato: a tolerância deve ser zero. Não dá para fechar os olhos para as pequenas coisas que "de vez em quando" aparecem e deixar virar uma bola de neve como aconteceu nos Estados Unidos. Na dúvida não há dúvida: como na arbitragem, favoreça sempre o ginasta, mas favoreça o ginasta agredido.

    Muitos podem julgar esse post mais um texto "polêmico" do Gym Blog Brazil, que ao invés de ajudar vai colocar preocupações nos pais de ginastas que lerem o texto. Tenho uma resposta: certo é certo, errado é errado. Verdade sempre vai ser verdade. Quem age corretamente não tem o que temer: contra boas posturas e integridade de caráter não há julgamentos. Seja um clube, um treinador, um chefe ou um médico de exemplo, íntegro, correto e verdadeiro. Dessa forma, a tranquilidade de quem te acompanhar será sempre afamada ao invés de denegrida.

    Maroney, em sua carta de desabafo postada nas redes sociais, postou algumas medidas que, na opinião dela, deveriam ser tomadas em casos como esse:

    1 - deve-se falar e sensibilizar sobre o abuso (ou suspeita do abuso) que está acontecendo;

    2 - pessoas, instituições, organizações, especialmente aquelas em situações de poder, precisam ser responsabilizadas por suas ações e comportamentos inapropriados;
    3 - educação e prevenção, não importa o quanto isso custe;
    4 - tolerância zero para os agressores e para as pessoas que os protegerem.

    Muitas vezes não conhecemos os sentimentos mais profundos de quem amamos e convivemos de forma tão próxima... O que dizer de um amigo distante ou de pessoas que nem temos tanto contato? O agressor sabe escolher a sua vítima e nunca vai escolher a mais forte. Ele sempre vai escolher aquela que vai ficar em silêncio pra sempre.

    Falem, por favor.

    #Metoo

    Post de Cedrick Willian
    Foto: Divulgação
  • You might also like

    2 comentários:

    1. Isso mesmo, tem que denunciar, não pode ficar por debaixo dos panos, e a vítima não se faça mais de vítima, vai atrás e acaba com o abusador. Isso em todos os ambientes, não só com relação a técnicos mas tbm entre ginastas.

      ResponderExcluir
      Respostas
      1. A vítima não se faz de vítima, ela é vítima, independentemente de ir ou não atrás do abusador.

        Excluir