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  • A ginástica americana vai sobreviver?


    A agência de TV americana CBS transmitiu hoje, ao vivo em seu site, o depoimento das vítimas do médico Lary Nassar durante o julgamento. Foi difícil conter as lágrimas com os depoimentos de, por exemplo, uma mãe que prestou depoimento no lugar de sua filha porque ela se matou aos 23 anos de idade. No espaço de apenas uma semana, as ginastas Maggie Nichols e Simone Biles foram mais duas grandes ginastas que se revelaram nas redes sociais como sobreviventes das agressões de Lary. As vítimas parecem não ter fim.

    Deve-se entender, primeiramente, que o assédio e abuso sexual configuram uma epidemia global. Casos e casos de abusos existem no mundo inteiro. Atualmente, podemos citar os casos envolvendo o diretor de Hollywood Harvey Weinstein, que motivaram as atrizes presentes no Globo de Ouro a fazerem uma manifestação no evento; o caso envolvendo o ator brasileiro José Mayer, denunciado por uma figurinista que ganhou o apoio de várias atrizes importantes; o ator Kevin Spacey, despedido da Netflix, que cancelou uma de suas principais séries. O futebol britânico também passou por uma crise em 2016, quando o jogador Andy Woodward teve coragem de denunciar seu ex-treinador de base, motivando tantos outros ex-jogadores a fazer o mesmo.

    A parte positiva dos casos recentes é que as pessoas estão cada vez menos tolerantes com as agressões sexuais; por isso, estão denunciando e expondo os agressores, o que acaba gerando uma reação em cadeia que possibilita mais e mais denúncias e apoio às vítimas. Talvez, no caso da ginástica, se as ginastas de destaque não começassem a corajosamente falar, várias outras crianças e ex-ginastas não fariam o mesmo. E muitas ainda não farão! A cultura do medo existe e, na maioria das vezes, impossibilita a vítima de expor a situação e os sentimentos internos, gerando vários transtornos psicológicos e enfraquecendo as investigações.

    Como o caso nos Estados Unidos chegou a esse ponto? Esse é o questionamento da maioria. Fora a citada cultura do medo, que por coerção ou vergonha impossibilita as vítimas de falarem, realmente é difícil acreditar que tudo isso aconteceu debaixo do nariz de tanta gente e ninguém viu nada. Fica a ideia de que tudo foi realmente acobertado para não "queimar o filme" das instituições. E isso aconteceu por muitos anos. Durante muito tempo, os abusos americanos - e de tantos outros países e esportes - foram ignorados com o objetivo de proteger pessoas e instituições. Os clubes estiveram mais ocupados com seus prestígios do que com o código penal. Enquanto isso, vítimas e mais vítimas foram sendo contabilizadas.

    A Confederação Americana de Ginástica também entrou nessa de manter o prestígio e está se afundando. Tentaram sair por cima, preocupados mais com as medalhas do que com a integridade dos atletas, e não reportaram os problemas da forma correta, sendo negligentes com cada situação que ia aparecendo durante muitos anos. Nem sequer um pedido de desculpas foi feito. A ginasta Maggie Nichols, graças à sua treinadora que ouviu uma conversa de quarto e sabiamente decidiu interferir, foi apenas a ponta do iceberg. Foi a mais corajosa para seguir em frente, vencendo a vergonha e o medo, e enfrentando a USA Gymnastics em busca de respostas e justiça. O público da ginástica, os patrocinadores, atletas e confederações do mundo inteiro assistiram todo o desenrolar da história e, no fim das contas, uma dúvida não sobra: a USA Gymnastics foi extremamente negligente.

    Dessa forma, acabaram perdendo a maioria dos patrocinadores (senão todos) e colocaram em risco uma das maiores potências esportivas do mundo: a ginástica artística feminina dos Estados Unidos. É triste pensar que ginastas como Simone Biles, que ainda pretende competir nos Jogos de Tóquio, terá que se submeter à instituição que não a protegeu da forma como deveria. Qual segurança as ginastas terão a partir de agora? O que passa na cabeça dos pais de uma jovem atleta que terá que ficar aos cuidados da USA Gymnastics? Hoje é seguro representar os Estados Unidos da América?

    Sem dúvidas a ginástica americana é um comércio altamente lucrativo. Clubes e mais clubes continuam com as portas abertas recebendo atletas pagantes e dispostos, todos os dias, a ir em busca de um sonho. No país mais capitalista do mundo, tudo se resolve com dinheiro. Apesar disso, gerir um esporte a nível nacional demanda as parcerias com os patrocinadores que agora estão em falta. Vai levar um tempo até a situação financeira se regularizar e, até lá, a ginástica americana vai sobreviver? É bem provável que sim, mas será que continuarão sendo a grande potência esportiva que foram nos últimos anos?

    Com títulos ou sem títulos, potência ou não potência, com muito dinheiro ou completamente sem, uma coisa é certa: moral e dignidade não se encontram à venda. É interessante refletir antes de acobertar crimes tão detestáveis em troca de um prestígio passageiro. Opte sempre pelo certo. Opte sempre pelo bem. Prefira a empatia por uma pessoa que pode estar sofrendo em silêncio do que o egoísmo mórbido de achar que isso não tem nada a ver com você.

    Post de Cedrick Willian

    Foto: CBS Sports
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    5 comentários:

    1. texto excelente, digno de reportagem! por ser educador físico, já é a segunda reportagem do blog que utilizarei em aula ( com os devidos créditos ) parabéns!

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    2. Torço que Simone Biles compita por Belize, onde tem cidadania por conta da atual esposa de seu avô (a quem atribui como se fosse sua mãe).

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    3. Excelente matéria. Não sou muito fã das ginastas americanas, mas, eles mereçem todo respeito e reconhecimento pelo talento, e dedicação, e o trabalho duro que vem mostrando nestes anos.

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