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  • Experiência desbanca juventude no Trofeo Città di Jesolo

    Enquanto Rebeca Andrade e companhia desfrutam do pódio por equipes, juvenis não derrotam adversárias e terminam em quarto nesta prova, despertando preocupação com renovação


    Foto: Alexandre Loureiro/COB

    A combinação Rebeca Andrade e Flávia Saraiva provou ser imbatível outra vez. Especialmente quando ao lado de Jade Barbosa, Júlia Soares, Carolyne Pedro e, ainda, da estreante na seleção adulta Andreza Lima.

    Prova disso foi a última edição do Trofeo Città di Jesolo, competição disputada na região metropolitana de Veneza (Itália). As brasileiras da seleção adulta subiram ao pódio por equipes ao faturar a medalha de prata, perdendo apenas para as donas da casa, lideradas pelas gêmeas Asia e Alice D’Amato.

    E os resultados não pararam nesta prova: Flávia, Rebeca e Júlia retornaram no dia seguinte para um domingo bastante dourado. Nas finais por aparelhos, das quatro provas o Brasil venceu três delas: barras assimétricas, trave e solo. No solo ainda ocorreu um empate que concedeu dois ouros para o time. Não tivemos uma representante na final de salto, mas é fato que se Rebeca tivesse saltado seria mais um ouro para o Brasil.

    Na final de trave, Flávia Saraiva somou 14.500 pontos para garantir a medalha de ouro. Já a prata ficou com Rebeca Andrade, com 13.900 pontos. Flavinha também brilhou no solo, aparelho no qual dividiu a medalha dourada com Julia Soares. Isso aconteceu porque os critérios de desempate não estabeleceram distinções, uma vez que as notas de dificuldade e de execução das brasileiras foram idênticas. Assim, o primeiro degrau do pódio foi ocupado pelas duas ginastas do Brasil.

    Rebeca ainda venceu as barras assimétricas com 14.700, seguida pela italiana Alice D´Amato, que teve a mesma nota, mas ficou atrás no critério de desempate, que é a nota de execução. Flávia ficou em quarto lugar com 13.950, maior nota da atleta neste aparelho em toda sua carreira internacional.

    Quatro ouros e duas pratas em uma única competição é, de fato, algo para se comemorar. Ainda mais considerando que, ao lado das brasileiras, outros grandes nomes do esporte, como Ellie Black e as grandes italianas, passaram. Jesolo foi a prova que o Brasil está bem preparado para os Jogos Olímpicos de Paris e, com Flávia e Rebeca no auge de sua forma, as brasileiras chegarão na França com força suficiente para encarar os Estados Unidos que, em Jesolo, levou uma equipe B, mas boa o suficiente para somar mais de 163 pontos.

    Ainda explanando sobre o Brasil na Itália, temos que dar um destaque maior a Flávia Saraiva, que fez uma competição brilhante simplificando o salto. Saltando seu Yurchenko com dupla é bem provável que passaria dos 56 pontos, pontuação que potencialmente coloca a ginasta entre as cinco melhores generalistas do mundo ao lado, numa posição parecida com Shilese Jones (EUA), Melanie dos Santos (FRA) e  Kaylia Nemour (ALG).



    Além disso, Flávia está fazendo um trabalho de especialista nas barras assimétricas, sendo a segunda maior performance brasileira do aparelho. Na trave, FINALMENTE esqueceu a sequência de mortal esticado e isso visivelmente a deixou mais segura para trazer de volta a sólida sequência de flick mais dois layouts. Quantos títulos a mais Flávia poderia ter conquistado na trave e até mesmo no individual geral caso essa sequência fosse retirada antes? Estamos felizes? Sim, mas essa alteração demorou muito para acontecer.

    Finalmente, no solo, apesar do ouro no peito e da ótima reação do público, talvez essa coreografia esteja em último lugar entre as que a ginasta fez desde 2016. Esse poderia ser um excelente momento para a coreografia que ela apresentou entre 2018 e 2019 que, além do can-can, teve no mix a canção “La vie em rose”, de Edith Piaf, um ícone da música francesa. Hoje, poderia ter sido muito interessante uma escolha musical para o Brasil que trouxesse “La Belle de Jour”, de Alceu Valença, mas parece que não se atentaram para essa excelente canção que faria um mix de Brasil e França. Estamos todos felizes que as coreografias funcionaram, tanto de Flávia quanto das outras brasileiras; porém, não há como dizer que não foi arriscado tantas alterações nesse aparelho faltando pouco tempo para os Jogos Olímpicos.

    Retornando à análise de Jesolo na prática, se por um lado, enquanto as mais experientes colheram tantas medalhas, o time júnior nem tanto. Em comparação às outras equipes competidoras, as pequenas brasileiras sumiram do pódio e faturaram apenas uma medalha de bronze, no solo, com Isabel Ramos pontuando 12.850. Por equipes, as juvenis terminaram em quarto lugar, apenas seis décimos atrás do bronze, mas sete pontos atrás do Canadá, que ficou com a prata. Dos Estados Unidos, no topo do pódio, nove pontos as separaram.

    Logicamente uma comparação entre juvenis e adultas é covardia, até porque o time adulto conta com ginastas que já garantiram a “manha” de competir, que já treinaram e testaram dezenas de elementos, que conhecem seus corpos, seus limites e, ainda assim, seguem firmes no alto rendimento. Elas têm Rebeca Andrade. Esse erro não podemos cometer: entendemos que Rebeca Andrade é uma em um milhão e sua fama e técnica ultrapassa o nível brasileiro. Seus feitos são historicamente relevantes a níveis mundiais e, claro, não estamos esperando uma ginasta para substituí-la.

    Porém, a comparação não é entre os próprios times brasileiros de gerações diferentes, mas, sim, entre as seleções da mesma geração. De júnior para júnior, internacionalmente falando, o Brasil ainda não está tão competitivo quanto deveria.

    Infelizmente esse cenário não é novo. Em 2022, durante o Campeonato Pan-americano do Rio de Janeiro, nossas juvenis não superaram nem mesmo a Argentina e terminaram em quarto lugar por equipes, atrás das hermanas, canadenses e americanas. Já nas finais individuais, pior ainda. Mesmo numa competição regional e contando com o fator casa, nenhuma das brasileiras soube o sabor de uma medalha.

    Fato que deixa aquela preocupação que vivemos por volta de 2010: cadê a renovação? À época, se não tivéssemos nomes como Daniele Hypólito e Daiane dos Santos, o Brasil não tomaria à proporção que tomou. Agora a história se repete com Flávia Saraiva, Jade Barbosa (aos 32 anos) e Rebeca Andrade. Para que esses nomes deixem o esporte, novos nomes precisam nascer.

    Apurando os clubes, hoje nossa maior esperança de renovação está no Flamengo, que, sob o comando de Georgette Vidor, está carregando o juvenil e o futuro do Brasil nas costas. Das seis ginastas que competiram, cinco eram flamenguistas. Apenas uma delas competia pelo Pinheiros: Sophia Weisberg, que estreou muito bem.

    Contudo, o que é preciso para aquecer e elevar nossas juvenis ao nível da seleção adulta?

    É a pergunta de milhões para a ginástica brasileira. Alguns anos atrás, durante a pandemia, alguma medida começou a ser tomada para resolver isto, mas tudo está de volta ao tradicional. Como sempre andou nossa velha ginástica: conhecimento concentrado num país desse tamanho.

    É aí que perdemos treinadores que estão estressados, sobrecarregados, pressionados e “não entendem o porquê”. Os técnicos que estão no comando hoje nem se quisessem teriam a chance de dividir a responsabilidade com um colega, visto que revelação que se mostra promissora acaba parando nas mesmas mãos. Daí o desgaste por sobrecarga. Um sistema muito diferente dos Estados Unidos, onde cada academia tem seu próprio treinador, cada atleta tem quem a acompanhe e não existe um funil tão apertado para o alto rendimento.

    Aqui no Brasil não existe rivalidade e a gente perde com isso. As próprias ginastas se acomodam. Imagina: dez treinadores diferentes, de dez clubes diferentes, com dez ginastas diferentes, todos lutando por um único título, mas no mesmo nível técnico?

    Isso não existe no Brasil hoje.

    Tomara que isso tudo seja parte de um fenômeno que está acontecendo a nível mundial, onde a ginástica, aparentemente, está virando um esporte de atletas mais velhos e experientes. Estamos vendo ginastas se tornarem mais expressivas internacionalmente um pouco mais tarde, por volta dos 20 anos, e esperamos que seja isso o que está acontecendo no Brasil. Ainda queremos ver Isabel, Sophia, Ana Paula, Gabriela e todas as outras brilhando.

    Paris é logo ali, costumam brincar, e Los Angeles também. Entre uma e outra edição dos Jogos, com a consagrada seleção atual brigando pau a pau entre as maiores, a sensação de vitória começa a ser uma preocupação de permanência. Chegar ao topo é muito difícil, mas declinar é o extremo oposto.


    Texto de Cedrick Willian e Ícaro Ambrósio 

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