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  • Análise do US Classic e o retorno de Biles às competições



    Simone Biles voltou aos tablados no último sábado durante a tradicional competição americana US Classic, última chance das ginastas se classificarem para o US Gymnastics Championships e, consequentemente, para o Olympic Trials. Mais de um ano e meio sem competir, não só voltou às competições como apresentou uma nova coreografia de solo e um elemento novo e de altíssimo grau de dificuldade no salto: um yurchenko com duplo mortal carpado.

    Sem dúvidas esse foi o ponto alto da competição de Simone. A altura que ela consegue atingir após o "block"  do yurchenko é impressionante. Poucos homens executam esse salto no mundo hoje e menos ainda com uma execução tão correta como ela faz. Os árbitros vão precisar de um olho clínico para dar os descontos corretos para sua apresentação, porque ela realmente executa o salto à beira da perfeição.

    Fora o salto, Simone fez uma boa competição na trave e, seguindo seus parâmetros, uma competição "fraca" no solo e paralela, com queda nos dois aparelhos: errou o sola com pirueta na paralela - prejudicando sua nota de partida em 0,3 - e o duplo com dupla no solo, sua última diagonal. No solo também acabou saindo fora dos limites do tablado no duplo com tripla. Apesar dos erros, teve a maior nota no aparelho (14,250) e foi campeã individual geral somando 58,400.

    Alguns ciclos atrás, quando o desconto para quedas era de 0,8, muitas ginastas ainda conseguiam conquistar medalhas importantes mesmo com queda, como por exemplo Jade Barbosa na final all-around do Mundial de 2007. Começou a ser questionado, portanto, o padrão de execução e beleza dos elementos que os ginastas apresentavam, como também o risco que corriam em elementos de alto grau de dificuldade. Como consequência, o desconto das quedas aumentou para 1,0. Além disso, vários anos passaram e o valor dos elementos foram alterados, colocando um equilíbrio nas séries e resultados.

    Ver Simone competir com duas quedas e ser campeã com uma nota que a consagraria ao ouro olímpico all-around, o questionamento continua? A resposta é não. Ao contrário de antes, hoje não existe ginasta que conseguiria ser campeão olímpico, mundial e até mesmo de uma Copa do Mundo all-around com duas quedas no seu somatório e um desconto de linha. Simone consegue isso porque realmente alinha a dificuldade de seus elementos com uma execução que precisa ser estudada. Por mais impressionante que isso seja, não existe em suas séries e elementos nenhum sinal ou riscos de loucura: Simone realmente compete com maestria.

    Jordan Chiles ficou em segundo lugar com 57,100 e séries impressionantes. A ginasta apresentou muito potencial quando juvenil mas, depois disso, passou um tempo "perdida", acima do peso, com séries mal montadas e fora do que ela tinha condições de apresentar com constância de acertos. Acabou trocando de clube (agora ela treina no World Champion Centre, clube de Simone) e o trabalho que o treinador francês Laurent Landi fez trouxe de volta suas chances olímpicas. Aos poucos foi encaixando séries que Chiles conseguia fazer e, com calma, aumentando os elementos de dificuldade. Desde o US Classic de 2019 era possível imaginar que o resultado viria e hoje ela é uma escolha real para a equipe olímpica americana.

    Kayla DiCello completou o pódio com 56,100. Conseguiu essa nota com uma queda na trave, mostrando potencial de melhora até os Jogos. DiCello é uma ginasta limpa, constante e com boas apresentações, lembrando muito o que a Kyla Ross foi no ciclo 2012-2016. A competição ainda contou com o retorno de Chellsie Memmel, recuperando de lesão e, por isso, vai poder competir novamente no US Championships. MyKayla Skinner também competiu, cometendo erros na trave, no solo e com uma nota um pouco injusta no salto.

    Analisando a competição, é possível pensar em uma equipe concreta com Simone Biles, Jordan Chiles e Sunisa Lee. Kayla DiCello e Grace McCallum brigariam pela quarta vaga, colocando a outra como reserva. Jade Carey tem vaga nominal e a quinta vaga seria para uma boa especialista (talvez Leanne Wong pela trave e a possibilidade de um cheng no salto). Sunisa Lee não competiu bem e teve muitos erros, mas mesmo assim continua sendo um nome forte, especialmente por ter um dos melhores trabalho em barras assimétricas do mundo.

    Konnor McClain, muito aclamada pela mídia e pelas possibilidades olímpicas por conta do adiamento dos Jogos, talvez tenha sentido a pressão que essas situações a colocaram. Em um momento, durante a competição, chorou depois de cair da trave. Pelas regras poderia competir somente nos Jogos de 2024, mas com o adiamento de Tóquio resolveu fazer a tentativa de imediato, apoiada pela família. O plano parece não estar dando certo: seu rendimento está baixo, caiu muito se comparado ao que ela apresentava como juvenil.

    Com muitos erros da parte de todas as ginastas, essa talvez seja a pior competição americana dos últimos 10 anos. Alguns comentários compararam o baixo desempenho de ontem com a solidez e a constância das americanas nos tempos de Marta Karolyi. É fato que o desempenho caiu e que um muro de ferro que havia ali parece não existir mais. Porém, o preço pago por essa equipe imbatível foi extremamente alto: é desumano pensar que a vitória deve ser conquistada a qualquer custo. O que não tem preço é a felicidade em ver ginastas como pessoas, que erram e acertam, que controlam suas emoções de acordo com seu treinamento e desenvolvimento pessoal e não com ameaças, que não dão respostas automáticas para os jornalistas. "I wanna hit four for four", graças a Deus, não existe mais.

    Confira os resultados completos e os vídeos da competição.

    Texto de Cedrick Willian
    Foto: USA Gymnastics

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